A campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sido cobrada por apoiadores para ampliar o uso da chamada linguagem inclusiva, que busca combater preconceitos contra minorias, e ao mesmo tempo recebe críticas de bolsonaristas por citar termos tidos como politicamente corretos.
O petista, que lidera as pesquisas da corrida presidencial, adaptou parte de suas falas para agradar à fatia da militância que abraça a defesa das mulheres, dos negros, da população LGBTQIA+ e dos indígenas, mas escorregões nessa cartilha ainda causam desconforto em sua base.
As queixas, geralmente feitas em privado para não respingar na candidatura, giram em torno do uso de palavras como “índio” (em vez de indígena) e “escravo” (no lugar de escravizado) e de referências que contrariam, por exemplo, os veganos, com repetidas alusões a churrasco e picanha.
Outro problema apontado é um termo com conotação sexual no bordão de Lula sobre ter 76 anos de idade, mas “tesão de 20”. Sob anonimato, uma apoiadora diz que, embora o presidenciável faça um associação com sua energia política, o termo soa depreciativo para o conjunto das mulheres.
Em ao menos um discurso recente, ele atenuou o peso da palavra controversa ao incluir “motivação” antes dela.
Outra preocupação visível é a de frisar a diversidade de gênero, mas longe de ceder à linguagem neutra, que pressupõe um vocabulário com “todes” (em vez de todos) e “amigues” (amigos). O ex-presidente costuma se dirigir aos ouvintes como “meus amigos e minhas amigas”.
“Tanto ele quanto o [Geraldo] Alckmin, no lançamento da chapa, fizeram a primeira saudação às mulheres”, diz a secretária nacional de mulheres do PT, Anne Moura. “Para muitos, isso não faz diferença. Mas nós que estamos na linha de frente da luta feminista sabemos dessa importância.”
Ela afirma que a mudança é fruto “de muitas reuniões e de acúmulos” e lembra que o partido tem como presidente uma mulher, Gleisi Hoffmann.
“Lula é de outra quadra histórica, quando esses debates não eram muito presentes. O mais legal é que ele se permite ouvir e aprender”, diz Anne.
Assuntos sensíveis para os chamados movimentos identitários foram incorporados ao discurso porque o PT entende que isso o aproxima de faixas do eleitorado jovem, escolarizado, morador de centros urbanos e adepto das redes sociais.
Há o temor, contudo, de que temas delicados da pauta progressista afastem camadas mais simpáticas a Jair Bolsonaro (PL), como a dos evangélicos.
O ex-presidente se tornou alvo das redes bolsonaristas após viralizar o trecho de uma das falas do ato em que foi oficializada a chapa com Alckmin, no dia 7 deste mês.
Lika Rosa, que é “slammaster” (participa de batalhas de poesia urbana) e apresentou o evento, anunciou que faria um “escurecimento” antes de dar uma explicação sobre regras da lei eleitoral.
“Quero aqui fazer um escurecimento, ou esclarecimento. Como nós respeitamos as leis, a legislação e as instituições, é importante avisar e deixar claro, ou escuro, que hoje nós não estamos lançando candidaturas, nós estamos lançando, sim, um movimento”, disse a cantora.
O palavreado que busca dissociar a cor negra de expressões com sentido negativo, difundido por grupos antirracistas, foi ridicularizado por seguidores de Bolsonaro para fustigar Lula.
“No fundo, o que a esquerda pretende é dividir, enganar e confundir a cabeça do brasileiro”, postou o deputado federal Luiz Lima (PL-RJ), reclamando de desvalorização da pátria e da língua. “Eles querem tirar a nossa liberdade, o nosso amor, a nossa história”, afirmou o bolsonarista.
“Escuridão é ausência de luz, somente isso. Não há nada de preconceito nisso”, opinou.
A deputada federal Bia Kicis (PL-DF), o vereador da capital paulista Rubinho Nunes (União Brasil-SP) e o ex-presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo (PL-SP) —todos pré-candidatos à Câmara dos Deputados— também fizeram troça.
Lika, que se declara parda, diz à Folha que fez as adaptações no texto por conta própria, para reforçar o pedido de mais respeito à periferia e às suas expressões culturais.
“Resolvi falar [dessa forma] porque representa pessoas como eu. Nós existimos, pagamos impostos e vivemos no mesmo Brasil onde a interpretação elitista e acadêmica parece ser a única válida ou respeitada”, afirma.
Na visão da assessoria de imprensa de Lula, bolsonaristas perpetraram os ataques como “cortina de fumaça para o desastre do governo Bolsonaro: fome, inflação, desemprego”.
O discurso do ex-presidente no evento, lido para evitar falhas depois de uma sequência de gafes, destacou o papel das mulheres, repudiou “o extermínio da juventude negra e o racismo estrutural” e lamentou que pessoas sejam “espancadas e mortas por conta de sua orientação sexual”.
Na ocasião, ele também saiu em defesa dos povos indígenas, pronunciando a expressão três vezes.